REVIEW | O Rapaz e o Pombo, de Cristina Norton


Título: O Rapaz e o Pombo
Autor: Cristina Norton
Editora: Oficina do Livro
Data: 2016
Páginas: 272
Classificação Pessoal:
Goodreadsaqui
Temas: Segunda Guerra

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A história, passada entre os anos 1930 e 1958, gira à volta de três personagens. A principal é um rapaz judeu, que descobre o ódio, o desalento, a ternura e o amor à vida. As personagens à volta dele representam todas as pessoas que passaram por uma das maiores injustiças de todos os tempos. Cristina Norton sentiu também que tinha o dever de escrever e denunciar o que por vergonha as mulheres que haviam sido obrigadas a prostituir-se nos campos de concentração não ousavam contar.
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[Livro gentilmente cedido pela editora para uma review sincera]

A HISTÓRIA
Como começar a falar sobre este livro??

Que história... tão triste mas com outros momentos mais bonitos, cheios de ingenuidade e sem maldade, como só o olhar de uma criança pode ser.

"Devo lembrar-me de quem sou, de onde venho, do meu nome 
e apelido, do que foi a minha curta vida antes de ser conhecido 
por um número. De como tudo começou antes daquela 
tarde em que encontrei um pombo ferido."
(pág. 7)

É com este parágrafo que começa a nossa história. Uma narrativa que nos fala de um rapaz de oito anos, sem nome próprio ~ o rapaz pombo ~, que pode assim representar qualquer criança que viveu entre 1930 e 1958 e sofreu na pele as atrocidades da Segunda Guerra.


À volta deste rapaz, outras personagens - também elas sem qualquer nome - vêem as suas vidas transformadas em consequência dessa mesma guerra. São elas os pais do rapaz pombo, a irmã do rapaz pombo, os avós, e por aí adiante. Elas representam tantos outros seres humanos que passaram pelas mesmas dificuldades.


Sendo uma história sobre a temática da Segunda Guerra, já muitos de vós consegue imaginar o que pode encontrar nestas páginas. Mas posso garantir-vos que vão encontrar aqui muita coisa nova e diferente, especialmente a presença da voz feminina. A voz de mulheres que foram obrigadas a prostituir-se nos campos de concentração, por exemplo, facto que foi inspirado na vida de uma amiga da autora.  Essas mulheres eram torturadas e sofriam a sangue frio, nas mãos de médicos: "(...) e prenderam-me os pés, as mãos e a cabeça com cintos grossos e, assim, lúcida, sem anestesia nem um cheirinho de clorofórmio, queimaram-me o útero e os ovários com raios. A dor era tão insuportável que devo ter desmaiado (...)" (pág. 154).

Encontrarão também informações sobre o nosso país, nesse período: a recepção de refugiados e os movimentos de ajuda aos mesmos. Os avós do rapaz pombo, exilados por estas terras, onde não "lhes era permitido trabalhar, apenas permanecer" (pág 176), também nos vão descrevendo os locais por onde vão passeando e demonstrando o seu apoio aos judeus refugiados.


Outro dos temas centrais nesta obra são as experiências científicas que eram realizadas nas crianças, nos campos de concentração. Ler sobre alguma das atrocidades que se faziam por lá, fez-me sentir pequenina. Há passagens que vos vão deixar de lágrima no canto do olho, de tão tristes e realistas que são. Meninos obrigados a crescer, separados dos pais, sozinhos e completamente alheios ao que se passa e à guerra que se trava; uma guerra que não é, de todo, a sua.

"Para isso resolvi nunca ser adulto, nem sequer adolescente. 
Ter 9 anos parecia-me a idade ideal para a inconsciência, 
crescer era mau, perigoso e aproximava-me de uma 
realidade com a qual não sabia conviver." 
(pág. 221)


A ESCRITA
A escrita da autora é simples mas, ao mesmo tempo, criativa, se assim a podemos designar: "O jantar foi leve, mas caiu-lhes pesado como se tivessem comido os temores" (pág. 107). No entanto, quando os acontecimentos assim o exigem, a autora também sabe trazer intensidade aquelas linhas: "A avó, a quem eles tratavam por Bobe, já não fazia parte dos vivos e a morte pairava sob um céu sem luz com o regozijo das aves de rapina" (pág. 207).



Gostei muito da forma como Cristina Norton decidiu organizar a narrativa, alternando capítulos em que o narrador era o rapaz pombo, com outros em que nos chega uma narração em terceira pessoa. Graficamente, estas duas perspectivas também são diferenciadas através do tipo de letras utilizado. Tal permite-nos - enquanto leitores -  ter acesso à história pelos olhos de uma criança, que não compreende tudo o que se passa à sua volta, que procura mas não encontra explicações para a maior parte das coisas, e um outro narrador que nos traz os acontecimentos de uma forma mais nua e crua.


A MINHA OPINIÃO
Este é, sem dúvida, um livro com uma temática forte, abordando aspectos também eles muito fortes. Como podem ver pelas linhas anteriores, adorei a história e dei por mim, dias depois de ter finalizado a leitura, a pensar em alguns daqueles momentos descritos pela autora e naquelas personagens. É impossível ficarmos indiferentes a tudo o que nos é contado ao longo destas páginas. 



Na minha opinião, o final poderia ter sido trabalhado de outra forma. Gostaria de ter tido mais informações sobre as personagens que nos acompanharam ao longo da trama. Daí as 4 estrelas e não as 5. 

Não deixem de o ler. Por favor!



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